Álbuns

Todos os domingos, pela manhã, o meu pai levava-me a calcorrear as ruas da ribeira, as calçadas que montam do rio à Sé, o Arco da Saudade, o quente acolher do emaranhado estreito das centenas de encruzilhadas que nos levavam a lugares encantados. Recordo a luz, a gente, os olhares cúmplices de sempre, como se se repetissem os mesmos passos do domingo anterior. E depois a pequenada que se banhava no rio nas manhãs de verão, e o meu assombro e inveja perante tanta liberdade. Momentos que trago comigo como a mais doce e delicada das memórias.

Tudo isto revivi ao ter o primeiro contacto com a obra de Jorge Henriques. Num repente, de emoção e afecto, tudo desfilou de novo perante os meus olhos. E agora, com o meu filho pela mão, sou eu que o levo, pelas fotos de Jorge Henriques, a visitar os locais e os perfumes que fizeram a minha infância. São as cores, a preto e branco, do Porto que eu conheço e que amo. Por isso sou eu também que estou na neblina que encobre algumas das mais belas imagens que jamais vi da minha cidade.

Ao apelidar « Momento » ao meu disco, sempre pensei que nada definiria melhor tal expressão que uma fotografia: ela é o paradigma da perenidade de um momento irrepetível. Ao escolher as fotografias de Jorge Henriques para celebrarem em conjunto este rigor entre a imagem e o acaso, estou também a lançar as pontes entre o Porto que ele tão bem retratou, e o Porto que canto nos meus silêncios.

Sentir-me-ía muito orgulhoso se as suas belíssimas imagens pudessem enobrecer os sons que trago em mim.

Pedro Abrunhosa – Porto, 23 de Junho de 2002